Na Polícia Militar da Bahia, entre 2008 e 2012, 40% dos PMs afastados por problemas de saúde apresentaram distúrbios mentais e de comportamento. Na sexta-feira, um policial depredou um ônibus no Centro após uma crise.
Era uma data especial e isso não mudou nada. O soldado Jéferson Alves, 33 anos, então da 58ª CIPM (Cosme de Farias), apontava uma pistola para a própria cabeça enquanto as mães de todo o Brasil recebiam rosas vermelhas e outros mimos. A sua talvez o esperasse para o almoço naquele domingo, 12 de maio deste ano. Sentado na cama, Jéferson ainda conversou com alguém ao celular antes de apertar o gatilho. A PM perdia mais um dos seus homens. Não para o crime, mas para ela própria.
E
assim foi com o capitão Alexsander Valério Ferreira, 38, da 15ª CIPM
(Itapuã), que também se matou em sua casa, neste caso por envenenamento,
no dia 9 de junho; e com o soldado Aloísio Santos da Rocha, do
Departamento de Planejamento, que atirou contra a própria cabeça no
primeiro sábado deste mês.
Os três suicídios de policiais em
2013 até alarmam a Polícia Militar, já que, de acordo com números não
oficiais, a média é de dois ao longo de um ano. Mas, pior que as
histórias por trás dos suicídios é a constatação de que elas são apenas a
consequência trágica de um problema muito maior.
Dados do Centro
de Perícias Médicas Militares (CPMM), aos quais o CORREIO teve acesso,
mostram que, entre 2008 e 2012, a PM registrou 184 afastamentos
definitivos e temporários. Destes, mais de 40% (77) estão relacionados
com transtornos mentais e de comportamento.
Os casos de síndrome do pânico, tensão pós-trauma, transtornos compulsivos e, como no caso de Jéferson, depressão, se multiplicam e são cada vez
mais comuns. Pelo menos cinco policiais militares que tentaram suicídio
estão atualmente em tratamento no Serviço de Valorização Profissional
(Sevap), responsável pelos atendimentos psicológicos na PM.
Silêncio
A
família de Jéferson prefere não falar. Mas amigos e colegas de farda
estão certos de que foi a rotina da polícia que o fez cometer suicídio.
“Depois que virou PM entrou em depressão. Se isolou, deixou de ser
aquele cara alegre”, narrou uma amiga bem próxima. “Não aguentou a
pressão e não teve ninguém dentro da polícia que evitasse a tragédia”,
disse um colega soldado.
Resultado do dia a dia de violência que
Jéferson enfrentava, o Sevap realizou, somente em 2012, 1,4 mil
atendimentos — sendo 123 casos encaminhados para o setor de psicologia. Entre os psicólogos do órgão há um sentimento comum de que a demanda é grande demais para o tamanho da estrutura.
“A
quantidade de profissionais não comporta. São casos difíceis e
crônicos, que duram quatro, cinco meses de tratamento”, afirmou o major
Antônio Honorato Barbosa, que assumiu a coordenação do Sevap há cerca de
dois meses. “Por isso, nossa prioridade é sanar as demandas
organizacionais. Mandar o policial para a clínica só em último caso”,
admite.
Casos graves
Nos números não estão
contabilizados os 27 encaminhamentos para atendimentos psiquiátricos em
instituições externas. São os casos mais graves. Já que não existes
psiquiatras na PM, eles são levados para locais como o Núcleo de
Atendimento Psicológico (Nead), da Secretaria da Segurança Pública
(SSP), Sanatório São Paulo e algumas fundações.
“Na medida do
possível, vamos encaixando esses policiais nestas instituições. Às
vezes, até pela amizade”, explica o major Honorato.
De todos, o
Sanatório São Paulo é o único com capacidade de internação. “Aqui são
comuns pacientes da polícia. São casos e mais casos de policiais
internados ou que frequentam o hospital-dia”, afirma, sem se
identificar, uma funcionária do sanatório, hoje conhecido como Espaço
Nelson Pires.
“O excesso do Nelson Pires existe porque eles são a
única opção”, confirma major Honorato. Procurado pelo CORREIO, o
sanatório recusou-se a divulgar o número de pacientes atendidos.
Os
distúrbios psicológicos são um problema não só crescente, mas antigo
dentro da PM. Um estudo de conclusão do mestrado pela Ufba, do psicólogo
Robson Souza, mostra que o problema é grave pelo menos desde o início
desta década.
A partir de registros do CPMM, no período
compreendido entre 2001 e outubro de 2008, foram avaliados como
definitivamente incapazes para a atividade profissional, em razão de
transtornos mentais e comportamentais, 295 policiais militares.
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