Uma crítica corrente nas discussões vigentes no baixo escalão das polícias diz que oficiais (para as polícias militares) e delegados (para as polícias civis, federal e estaduais), são privilegiados pelos governos. Trata-se de uma afirmação que atinge os brios daqueles que ocupam cargos de chefia e, ainda assim, possuem uma série de reclamações a fazer do tratamento dispensado pelo governo. Onde está, então, a razão? São os agentes e praças realmente maltratados em relação aos oficiais e delegados, ou estes últimos estão “no mesmo barco” que os primeiros?
Faz-se necessário dizer que diferenças salariais e funcionais não são privilégios: é natural e desejável que a remuneração seja distribuída conforme o grau de responsabilidade do cargo. Além disso, determinadas funções só devem ser exercidas por quem ocupa determinado cargo. Por exemplo, ser chefe de uma delegacia exige certa formação, e atribui ao profissional determinadas responsabilidades. Não se pode admitir que alguém não formado para tal função a exerça, pois perde-se nos resultados, e se estará atribuindo responsabilidades maiores que a remuneração do servidor. Ou seja, as diferenças funcionais e remuneratórias são indispensáveis.
Assim, para analisar a existência ou não de privilégios, cabe analisar não as diferenças absolutas, mas as relativas. Deve-se aferir não se um tenente ganha mais que um soldado, mas se o soldado recebe aumento na mesma proporção que o tenente, por exemplo. A diferença salarial entre o agente de primeira classe em relação ao de segunda é proporcional à diferença entre o delegado de primeira classe em relação ao de segunda? Como se dá o fluxo de promoções? Um cabo é promovido a sargento na mesma proporção que um capitão a major? A capacitação dos escalões inferiores está proporcionalmente alinhada com a capacitação dos superiores?
Respeitadas as variações locais, provavelmente as medidas apontarão diferenças de tratamento. Os governos, por limitações orçamentárias, falta de vontade e até inabilidade administrativa, sempre serão seduzidos a conquistar o todo pela parte. “Ora”, pensam os gestores políticos, “se podemos garantir benesses a apenas quinze por cento de uma corporação, fazendo com que estes privilegiados estabilizem toda a maioria, por que ter mais gastos?”.
Naturalmente, este contexto não se estabelece de maneira clara e didática como aqui explicitamos. Existem individualidades, discordâncias e adaptações. Também não significa que os “privilégios” são para uma minoria tão grande como os quinze por cento que sugerimos – na prática, até mesmo a maioria dos oficiais e delegados têm muito que reclamar (e os governos querendo reduzir cada vez mais o número de afilhados).
Neste ambiente, cada um assume o papel que acha conveniente, pragmática, ética e moralmente: denuncia os privilégios e age contra a justiça institucional; satisfaz-se com o que lhe é concedido, mesmo sendo injusto; se conforma, ensaiando eternamente revoltas que não passam do discurso; muda de emprego; procura vias de positivação profissional etc. No fim das contas desta multiplicidade, as instituições policiais se mantêm.