quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Rio de Janeiro, uma cidade sitiada e uma população em pânico..

A cidade do Rio de Janeiro vive momentos antagônicos. De um lado a euforia por ser escolhida sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e também, ser uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. Por outro lado o conflito entre traficantes e a polícia é cada vez mais intenso. No último sábado, um helicóptero da Polícia Militar foi abatido por bandidos. Três policiais morreram no desastre. De lá para cá, as mortes se sucederam e os números não param de crescer. Até hoje (23/10) mais de 40 pessoas foram mortas por conta dos confrontos. As imagens contidas neste ensaio fotográfico mostram toda crueldade desta verdadeira guerra que atinge a todos. Os dramas, os medos, o descontrole social estão contidas nas fotografias de Wilton Júnior e Fábio Motta, ambos fotojornalistas do ‘Estado’. Este conjunto de fotos traz imagens que podem causar algum desconforto.

Esperança: em outro muro, na Favela do Jacarezinho a palavra que sintetiza o desejo da população. Foto: WILTON JÚNIOR/AE
 
Poder paralelo: policial militar passa por muro pichado com iniciais do Comando Vermelho. Foto: WILTON JÚNIOR/AE
 
 Chuva de rosas: pétalas são lançadas por helicóptero durante enterro dos policiais Marcos Stadler Macedo e Ednei Canavarro. Foto: WILTON JÚNIOR/AE

         Lembrança: retrato do cabo Izo Gomes Patrício. Foto: FÁBIO MOTTA/AE

Enterro: corpo do cabo Izo Gomes Patrício, terceira vítima da queda do helicóptero, conduzido por colegas de corporação. Foto: FÁBIO MOTTA/AE

Cena de guerra: policiais tomam posição de combate no Morro da Matriz. Foto: WILTON JÚNIOR/AE

          Ônibus incediado por moradores de favela em represária a morte de um traficante

                                                   População em pânico

O Rio de Janeiro merece futuro melhor do que ser território livre para a bandidagem

Ronaldo França

Custódio Coimbra/Ag. O Globo

UMA CIDADE CERCADA


Favela à vista do Aterro do Flamengo e a força do tráfico em Vigário Geral
Domingos Peixoto/Ag. O Globo

Ah, se o presente e o futuro do Rio de Janeiro fossem um décimo daquele cenário grandioso sonhado no passado por seus administradores e moradores ilustres!

Capital do país durante 200 anos, a cidade nasceu predestinada, também pela natureza, a um futuro glorioso. Instalada em uma paisagem deslumbrante, ainda mereceu correções de rumos urbanos feitas por seus governantes. O imperador dom Pedro II replantou a Floresta da Tijuca, uma das maiores áreas verdes artificiais do mundo em zona urbana. Mais recentemente, o governador Carlos Lacerda construiu, na década de 60, o Aterro do Flamengo, um colosso paisagístico. Negrão de Lima, também governador, remodelou a orla de Copacabana, cartão-postal do Brasil. Tudo isso até o início da década de 70. As obras continuam de pé, mas o Rio dos sonhos virou uma cidade de pesadelo.

Na semana passada, o diário The Independent, um dos jornais de maior prestígio do Reino Unido, publicou extensa reportagem na qual descreve o Rio como "a cidade da cocaína e da carnificina". O jornal fez um relato da guerra do tráfico de drogas, com disputas entre facções criminosas, e comparou a violência da cidade à de zonas conflagradas, como a Chechênia e o Sudão. Obviamente, o jornalista inglês, autor da reportagem, não se perguntou por que o futuro glorioso a que o Rio parecia predestinado foi roubado. Os brasileiros, e os cariocas em especial, não podem deixar de se fazer essa pergunta.

A resposta está em cenas como a da foto acima, feita há duas semanas. Traficantes da favela de Vigário Geral, na Zona Norte da cidade, instalaram uma barricada, composta de manilhas de esgoto e lixeiras, a título de impedir a passagem de um grupo rival que acabara de ser expulso, numa guerra pelo controle da venda de drogas na favela. Ninguém discute a logística da operação de guerra dos traficantes. Mas seu absurdo terrível passa despercebido. Em nenhuma cidade do mundo civilizado um grupo de malfeitores ergue barricadas, seja qual for seu propósito, e tudo fica por isso mesmo. A barricada de Vigário Geral é o símbolo da hora de como as favelas se tornaram territórios de opressão de uma minoria armada sobre uma maioria de pessoas pobres e honestas. Os bandidos trabalham sob a proteção dos escudos humanos em que transformam os favelados.

O problema aumenta a cada dia. As favelas cariocas não param de crescer. Com elas cresce o poder territorial e de fogo do tráfico de drogas. A cidade tem hoje 700 favelas que se derramam por suas encostas. Na década de 60, moravam em favelas 335.000 pessoas. Isso correspondia a 10% dos cariocas. Atualmente, o número chega a 1,1 milhão de habitantes. Nada menos do que 18,7% da população da cidade. Por que isso acontece sem que nenhuma providência seja tomada? A resposta deve ser procurada no fato de que, durante os últimos 33 anos, o Rio de Janeiro foi comandado por políticos populistas dependentes do voto dos miseráveis subjugados pela elite do tráfico. Para esses políticos, as favelas não são um problema. São uma solução eleitoral.

No Rio cumpriu-se à risca a sentença que o ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González baixou sobre essa estirpe de políticos: "Os populistas gostam tanto dos pobres que tudo o que fazem é multiplicá-los". Na década passada, enquanto a taxa de crescimento populacional da cidade foi de 0,74% ao ano, a população favelada cresceu três vezes mais, ao ritmo de 2,2% ao ano. Diz Sérgio Besserman, economista e cientista social, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): "É uma ameaça ao estado de direito democrático o fato de neste momento existir no Rio 1 milhão de pessoas sob o jugo de bandos armados". Quando Carlos Lacerda iniciou, em 1961, um ambicioso plano de remoção de favelas, era possível pensar em uma solução de reassentamento. Hoje não é mais. "A dificuldade maior é trabalhar com a escala em que o problema se apresenta", afirma Alfredo Sirkis, secretário municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro.

Em Nova York, problema semelhante à desordem carioca foi resolvido sem remoções em massa. Solucionou-se com doses maciças de realismo e munição contra bandidos. Nos bairros do Bronx e partes do Harlem, durante décadas, as lideranças negras não deixaram a prefeitura instalar postes de luz nem fazer melhorias urbanas. Iluminação era uma melhoria urbana que favoreceria a maioria, mas ela foi boicotada porque atrapalhava os negócios dos bandidos. Nos anos 90, a política de tolerância zero do prefeito republicano Rudolph Giuliani promoveu um meticuloso trabalho de limpeza, um quarteirão após o outro, até que a cidade recobrou o poder sobre os bairros dominados pela bandidagem.

IMAGEM INTERNACIONAL

Na reportagem do Independent, a pecha da cidade: drogas e dezenas de assassinatos por semana

As tentativas de impor a ordem por meio de ações disciplinadoras e policiais, no Rio, acabam fracassando. Na contabilidade das capitais mais violentas do Brasil, o Rio aparece atrás de cidades como Vitória e Recife, segundo dados da Unesco, que computa o número de homicídios por 100.000 habitantes. O Rio não é, por tal padrão, a cidade mais insegura. Mas é, de longe, o lugar do país onde os bandidos se sentem mais à vontade para fazer o que querem. "Um dos diferenciais do Rio é a magnitude da corrupção policial", diz o sociólogo Ignacio Cano, um dos autores do livro Quem Vigia os Vigias. Em seu trabalho, Cano comparou dados das ouvidorias de cinco Estados brasileiros: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Pará. O Rio desponta com a maior incidência de denúncias de corrupção policial. Uma em cada três reclamações anônimas que chegam aos telefones da ouvidoria relata atos de corrupção policial. Em São Paulo, onde se registra a segunda maior média, isso ocorre em uma a cada oito ligações. A inaceitável infiltração dos bandidos na corporação policial manifestou-se de forma inequívoca na semana passada. A polícia carioca fez uma operação de busca ao bandido mais procurado do Estado, o traficante de drogas Irapuan David Lopes, o "Gangan". O bandido foi morto. As próprias autoridades reconheceram que a operação só pôde ser realizada cercada de sigilo adicional. A razão: o traficante pagava por proteção policial. A ação contra Gangan reproduziu em nível estadual as iniciativas que estão ajudando a mudar para melhor a Polícia Federal. Sua marca registrada é agir em silêncio contra bandidos e policiais corruptos, surpreendendo a ambos. Se operações como aquela se multiplicarem, talvez o Rio de Janeiro possa voltar a sonhar com o futuro grandioso que o populismo lhe roubou.
 
http://veja.abril.com.br/201004/p_052.html

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